sábado, 11 de maio de 2013

Derrubar grades, construir pontes

A tendência da sociedade é, normalmente, isolar tudo aquilo que é diferente, que nos questiona ou incomoda. Se não sabemos lidar com algo, descartamos ou colocamos de lado. Trancamo-nos atrás de grades e interfones para fugir de “bandidos” e mendigos, mandamos os mais pobres para a periferia, colocamos os velhos no asilo, isolamos os criminosos nos presídios e penitenciárias, internamos os “loucos” nas clínicas ou manicômios... 
Mas, será que a segregação resolve algo? O isolamento é a única forma de corrigir? A exclusão pode trazer algum resultado?
Desde 1987, o dia 18 de maio é lembrado por profissionais, usuários, familiares e militantes da área de saúde mental como Dia da Luta Antimanicomial. Esse movimento nasceu de um sonho: “Por uma sociedade sem manicômios”. Hoje, sua luta é também pelo cumprimento da Lei 10.216 de 2001, que normatiza a Reforma Psiquiátrica, defendendo a implantação de uma rede de serviços em substituição aos manicômios.
Conhecida também como Lei Paulo Delgado, deputado que apresentou o primeiro Projeto, ela defende um novo modelo de tratamento aos transtornos mentais e propõe a extinção progressiva dos manicômios no Brasil. O tratamento se daria de forma comunitária e familiar. Um projeto ousado, que merece uma reflexão profunda, muito diálogo, e onde se faz imprescindível o envolvimento da família e de toda a sociedade.
A partir do projeto, foi criado também, pelo Ministério da Saúde, o Programa “De Volta Para Casa”, visando a reintegração social de pessoas acometidas de transtornos mentais. As residências terapêuticas são fruto desse esforço e têm conseguido um considerável avanço. Já são muitos os pacientes que deixaram a clínica e, depois de uma experiência nessas casas, retornaram à própria família.
Em Minas, para atender os “loucos infratores”, foi também criado o Programa de Atenção Integral ao Portador de Sofrimento Mental Infrator (PAI-PJ). Trata-se de um trabalho que integra o Tribunal de Justiça, a família, o próprio infrator e uma equipe de profissionais. Cada equipe é formada por um advogado, um psicólogo, um assistente social e um estagiário de psicologia.
Atualmente, o debate sobre a necessidade ou não dos manicômios vem ganhando corpo em vários setores da sociedade. Alguns defendem acabar de vez com todos os manicômios e clínicas. Há inclusive quem desacredite mesmo da psiquiatria e da necessidade de medicamentos. E há aqueles que defendem um tratamento humanizante, como nas residências terapêuticas, sem descartar a necessidade, em muitos casos, da internação em clínicas especializadas.
Em Barbacena, “cidade dos manicômios”, há um clima propício para esse debate. Percebe-se mesmo que o antigo cenário vem mudando. As residências terapêuticas tornaram-se uma realidade. São várias casas, garantindo maior qualidade de vida aos doentes mentais e maior índice de reinserção na sociedade e na família. As pessoas têm o aconchego de um lar, tomam suas iniciativas, podem fazer suas compras. Já houve, inclusive, casamentos entre eles. Com todos os limites de um trabalho novo, onde o caminho ainda está por se fazer, fica claro que vale a pena seguir nessa direção. É a dignidade sendo restaurada.
O “Festival da Loucura”, mesmo marcado pela irreverência e pelo humor, surgiu com o intuito de colocar em pauta o debate sobre a saúde mental. Foi apresentado com o objetivo principal de “dizer não ao preconceito, exclusão e intolerância, sejam quais forem suas formas e origens. Celebrar a vida através das artes e da coexistência pacífica, aceitar as diferenças e fazer valer a cidadania plena para todos”.
Naquela mesma ocasião, o Conselho Regional de Psicologia trouxe à UNIPAC uma das idealizadoras do PAI-PJ, a psicóloga judicial Fernanda Otoni de Barros, para tratar da luta pela inclusão social. Em sua palestra, lembrava a necessidade de restabelecer os laços sociais e garantir os direitos humanos àqueles que, mesmo sendo infratores, são também vítimas do descaso e da injustiça social. “A forma de trazer uma pessoa de volta à sociedade é trazer a sociedade de volta para ela”.
Todas essas iniciativas nos ajudam a repensar nossas posturas, mudar os paradigmas, afastar o estigma dos antigos manicômios e, sobretudo, tomar cada vez mais consciência da suma importância de se envolver a pessoa, a família e a comunidade no processo de inclusão social.
O manicômio, lembra Fernando Vidal, provoca “o cerceamento do sujeito, o silenciar da fala, o esvaziamento do desejo”. Assim, o Dia da Luta Antimanicomial é uma ótima oportunidade para espalhar o sonho de uma sociedade sem preconceitos, onde ninguém seja obrigado a inventar seu próprio mundo para sobreviver; onde todos possam experimentar a doce loucura de viver.
Pe. José Antonio de Oliveira

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