quarta-feira, 3 de julho de 2013

Pedro e Paulo: poder e carisma?

Nestes dias, celebramos a festa de São Pedro e São Paulo, considerados colunas ou pilares da Igreja cristã. Neles se fazem presentes aspectos distintos e complementares da Igreja: a autoridade (ou poder) e o carisma; a instituição e a pastoral; a hierarquia e o laicato, a doutrina e a evangelização.
Pedro representa a instituição, a fidelidade à Tradição, a vivência dos valores evangélicos. Exerce o serviço da administração, da coordenação, da unidade. Paulo simboliza o carisma, a evangelização, a missão. Vai ao encontro, leva a Boa-Nova, funda comunidades, suscita ministérios.
Pedro é a garantia de que Jesus Cristo está ligado à Promessa, à Aliança. Paulo é a garantia de que Jesus Cristo é o Salvador de toda a humanidade, que a Igreja está aberta a todos, que a salvação é graça, não dependendo da fé e nem da obediência a uma tradição ou cultura. Propõe uma abertura maior à ação de Deus e à liberdade do Espírito.
Como é de se esperar, não faltaram tensões entre um e outro. Paulo chega a enfrentar Pedro, porque estava sendo “hipócrita”, demonstrando medo, e “estava merecendo censura” (Gl 2,11). Mas toda tensão é saudável. Corda bamba não dá som.
Ambos são muito humanos. Como nós, marcados pela fragilidade, pela incoerência, por altos e baixos. Pedro, na mesma hora que reconhece Jesus como o Messias, já não aceita a cruz e a dor. Jesus que lhe diz palavras tão bonitas, “tu és feliz, Simão... sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18), logo em seguida precisa mudar radicalmente o discurso: “afasta-te de mim, Satanás!” (Mt 16,23). No mesmo instante que Pedro revela uma fé capaz de caminhar sobre as águas, deixa-se envolver pela dúvida que o faz afundar. E Jesus, que o convidara a enfrentar as ondas, se vê na obrigação de chamar sua atenção: “homem de pouca fé!” Não aceita que Jesus lave seus pés, mas depois pede que lave o corpo inteiro. Diz que, aconteça o que acontecer, nunca abandonará o Mestre: “mesmo que todos os outros te abandonem, eu jamais te abandonarei” (Mt 26,33). Porém, não demora muito para dizer: “nem conheço esse homem!” (Mt 26,74). Mas é o encontro dessa fraqueza de Pedro com o olhar misericordioso de Jesus que provoca nele a conversão, a ponto de dizer de forma tão bonita e sincera: “Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo”. E, de fato, dá a vida por ele e pela fé.
Paulo não é diferente. Deixa-se dominar pela intolerância, pela vingança, pela violência. Aprova o apedrejamento de Estêvão, “devasta a Igreja” prende homens e mulheres (cf At 8,1ss); “respira ameaças de morte” (At 9,1). Mas reconhece que é justamente em sua fraqueza que pode se manifestar a força do Senhor (2Cor 12,8ss). Deus percebe que Paulo não é morno (o que Ele detesta – cf Ap 3,16) e investe nele com sua graça. Sabe que é só uma questão de canalizar para o bem suas energias e seu ardor. Nele, a graça não será em vão. E então lhe entrega a tarefa de difundir o Evangelho até os confins da terra, semear a Palavra da Verdade, criar comunidades cristãs. E é impressionante o ardor missionário de Paulo. Mesmo com tão poucos recursos e permanecendo tanto tempo atrás das grades, é capaz de empreender três grandes viagens missionárias, passando pela Ásia e pela Grécia, além da viagem a Roma. Deixa-nos uma riqueza incalculável em suas cartas e no seu testemunho.
É bonito ver neles o processo de conversão. A cabeça dura de Pedro se faz rocha sobre a qual é construída a Igreja. A paixão exagerada de Paulo pela lei se transforma em ardor por Jesus Cristo. Apesar das divergências entre si, causando divisões também na própria Igreja (“eu sou de Paulo, eu sou de Pedro...” (1Cor 1,12), colocam a fé e a missão acima das diferenças, recorrem ao diálogo, ao respeito, ao amor para superar os conflitos. Assim, como diz o prefácio da missa, “por meios diferentes congregaram a única família de Cristo”.
Que o exemplo de Pedro inspire a hierarquia da Igreja, para que saiba fazer da autoridade um serviço, abrir mão de toda riqueza material, de luxo, de ostentação, de tronos, de roupas finas, de serviçais, de burocracia, de tudo aquilo que ofusca a beleza da simplicidade de Jesus. Aprendamos com ele que, embora a Igreja mantenha relações diplomáticas com a sociedade civil, diplomacia não rima com profecia. E se Jesus entregou a Pedro as chaves, essas chaves devem ser para abrir portas e não para fechar caminhos. Nosso Papa Francisco tem insistido muito nisso.
De Paulo aprendamos sobretudo o entusiasmo, a coragem, o ardor incansável, superando a tentação de ser mornos, indiferentes, apáticos, acomodados. O mundo e o Evangelho precisam de pessoas portadoras de sonhos, de ideais, de alegria, que possam repetir sempre, mais com atitudes que com palavras: “a graça de Deus em mim não foi em vão”.
Pe. José Antonio de Oliveira