quinta-feira, 6 de março de 2014

Quarta-Feira de Cinzas


Nesta Quarta-feira de Cinzas, iniciamos o tempo da Quaresma e da Campanha da Fraternidade 2014, com o tema: “Fraternidade e tráfico humano”, e o lema: “É para a Liberdade que Cristo nos libertou”. (Gl 5,1). Intensifiquemos a oração, o jejum e a solidariedade, com sinais concretos de conversão e de uma busca mais profunda ao Reino de Deus. Na esperança de vivermos esse tempo de graça e salvação rumo à Páscoa de Jesus e nossa, vivamos verdadeiramente este tempo santo.




























FONTE: www.facebook.com/psantoantonioco

quarta-feira, 5 de março de 2014

Quebrar potes


Há uma tribo indígena cuja especialidade é a cerâmica. Lá, quando um cacique idoso vai passar pra outro a função, oferece ao que está chegando o vaso mais bonito e precioso que confeccionou durante toda a sua vida. O novo cacique recebe o vaso, o quebra, o mói e, misturando água, faz argila e modela um vaso novo. O velho cacique não vê isso como uma afronta ou desrespeito. Entende que o outro irá conservar a essência, a substância, a Tradição, mas lhe dá uma nova forma.
Na vida e na fé deve acontecer o mesmo. Não podemos abrir mão da essência, mas a vida exige novas formas. O Espírito Santo continua a agir e suscitar coisas novas. Mesmo porque as transformações do mundo o exigem. “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5).
Jesus disse a Simão: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18). Deve estar claro que ‘pedra’ é só o fundamento, o alicerce. Essa base é a fé que Pedro revela na pessoa de Jesus e na proposta do Reino. A Igreja não pode ser toda ‘petrificada’, pronta, acabada. Pedro chega a falar que somos ‘pedras vivas’ (cf. 1Pd 2,5), mas tudo o que é vivo se transforma, se desenvolve.
O alicerce da Igreja é imutável. Jesus Cristo não muda. Nossa fé é única. O Evangelho é o mesmo. Há verdades e valores que são eternos. Mas a Igreja precisa se adaptar a cada tempo, a cada cultura, a cada circunstância. Em sua Exortação Evangelii Gaudium, o papa Francisco nos lembra que “o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebeO cristianismo não dispõe de um único modelo cultural, mas permanecendo o que é, assume o rosto das diversas culturas e dos vários povos onde for acolhido”. Aí está  a “beleza deste rosto pluriforme” (EG nn. 115 e 116). Por isso, a nossa fé passa por mudanças e adaptações em sua forma de se expressar.
A própria celebração eucarística já passou por várias mudanças ao longo da história. E como foi bom! A oração do Pai Nosso, ensinada por Jesus Cristo, sofreu modificação, e é recitada de forma diferente pelas Igrejas. É natural. Ninguém sabe ao certo como é, porque até os evangelistas a registram diferente. Basta conferir na Bíblia Mt 6,9-13 e Lc 11,2-4. E é claro que, se a oração é conversa entre pessoas que se amam – nós e Deus, não faz sentido obrigar alguém a orar sempre com as mesmas palavras, sem poder expressar o que sente. Há ritos que mantemos e são importantes, mas a prece deve brotar bem livre de um coração que ama e confia.
No artigo que escrevi sobre essas “pequenas mudanças” apresentei alguns exemplos de orações que, mesmo sendo mantidas oficialmente pela Igreja, podem ser modificadas por quem as recita. Mas há muitas outras. Citaria, por exemplo, a prece de louvor que fazemos durante a Bênção do Santíssimo: “Bendito seja Deus…”. Ela expressa o louvor ao Pai duas vezes, ao Filho cinco vezes, ao Espírito Santo uma vez, e a Maria quatro vezes, mais que ao Pai e ao Espírito Santo. Numa oração essencialmente cristológica, a invocação a Maria poderia ser tranquilamente omitida, ou aparecer apenas uma vez. Contudo, como surgiu num tempo em que se negava a importância de Maria na História da Salvação, houve a preocupação, talvez exagerada, de reforçar a sua presença. Hoje não faz mais tanto sentido.
E assim, são muitos os exemplos de mudanças necessárias, inclusive na interpretação bíblica, no ensino da Igreja, nas expressões da fé. O alicerce não pode mudar, mas o formato, a cor, os acessórios, isso precisa ser atualizado. É bom que a Igreja não seja construída de pedras imutáveis, mas de tijolos e massa, algo que seja mais maleável, moldável.
A Bíblia registra um texto muito bonito, quando Jeremias é convidado por Deus a descer até a casa do oleiro e aprender com ele. O Profeta percebe que o vaso precisa ser, às vezes, quebrado, refeito, novamente moldado. Deus, o grande Oleiro, não quer gente de cabeça dura. Muito menos de coração duro. Quer gente que se entregue à ação transformadora da Graça, à força renovadora do Espírito. Somos – ou devemos ser, como o barro nas mãos do oleiro (Jr 18,1-6).
Na Exortação acima citada, Francisco chama a atenção para o perigo de se desenvolver “a psicologia do túmulo, que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu” e “corrói o dinamismo apostólico” (EG 83). Para isso, é fundamental quebrar potes e criar vasos novos. Mesmo porque a Igreja é chamada a ser “casa acolhedora” (DAp 370), e toda casa exige contínua limpeza e periódicas reformas.
Pe. José Antonio de Oliveira