terça-feira, 7 de agosto de 2012

Tesouro precioso, vaso de barro



Quando era menino pequeno lá em Capela Nova, muita coisa marcou a minha vida. Há lembranças que ficaram gravadas: pessoas, cheiros, sabores, imagens…
Entre essas lembranças estão as bicas de água cristalina, as minas borbulhantes, os riachos assoalhados de pedras cristal e fervilhantes de peixes. Quando ouço a música Força Estranha, do Caetano, tenho a impressão de que fui eu que escrevi: “eu pus os meus pés no riacho e acho que nunca os tirei…”.
Em nossas andanças, no trabalho, ou buscando lenha longe de casa, cansado, com a boca seca, a coisa mais gostosa era encontrar uma bica de água fresquinha. Uma delícia. Não dá pra explicar!
Depois mudamos pra cidade. Papai comprou um pedacinho de terra bem perto. Também lá está uma pequena mina, com uma bica, onde a gente bebia água na folha de inhame. Não dá pra esquecer.
E por que essas recordações? Não é puro saudosismo. É que aprendi muito com essas coisas. Celebrando o dia do padre, fiquei pensando nisso. Adorava beber água na bica. Sol quente, uma sede daquelas, de repente, uma sombra, uma água fresquinha. E nem queria saber de que era feita aquela bica. Podia ser de bambu, às vezes bem velho e apodrecido, ou de casca de madeira, ou de telha… O que importava era a água que saciava a sede. Era mesmo prazeroso.
Em nossa vida acontece muito isso. Chegam a nós tesouros preciosos por instrumentos os mais simples. Um(a) enfermeiro(a), um(a) médico(a), um(a) terapeuta podem aliviar dores, nos proporcionar o dom da saúde, uma das maiores riquezas, mesmo sendo pessoas frágeis, simples, que às vezes nem conseguem lidar com as próprias doenças e limitações.
Um(a) profissional da educação, com todos os seus limites, pode nos fazer um bem incalculável, que nos acompanhará pelo resto da vida. E assim, em qualquer área do trabalho humano.
Com os padres não é diferente. Podem transmitir os maiores tesouros, apesar de toda a sua fragilidade. Tenho plena consciência de que não somos melhores em nada e superiores a ninguém. Cada dia mais percebo que muita gente do povo tem mais fé, mais disponibilidade, mais sensibilidade, mais compromisso, mais dedicação que a maioria de nós. Há pessoas, e não são poucas, muito mais santas do que nós.
E, no entanto, lidamos com o Sagrado. Sagrado que está no divino, nas coisas da fé, e sagrado que está no ser humano, no coração, na vida. Lidamos com a Eucaristia e com a Palavra, com a fé e com a esperança, com a graça e com o perdão, com vida e com a morte. Muitas vezes chegamos a tocar na consciência das pessoas. Visitamos os espaços da ética e do sentido da vida.
E quem somos nós? Uma casca, dizia o grande amigo Cássio. Uma frágil casca, às vezes apodrecida, encarregada de oferecer a água da vida. Com a missão de fazer chegar às pessoas o tesouro da fé, da graça, do amor de Deus.
Gosto muito da expressão de Paulo, na Carta aos Coríntios: “Temos este tesouro em vasos de barro” (2Cor 4,7). Quanta verdade! Acho interessante que Paulo fala de barro mesmo. Nem é de argila. Quando falamos de argila já pensamos num barro mais refinado, mais resistente, que tem mais liga. A cerâmica pode ser bem resistente, embora essa resistência dependa do fogo. Mas barro, pode ser o mais comum. Cheio de impurezas. Sem muita consistência. E penso que somos isso mesmo. Barro! Nada mais. Cada dia vamos experimentando o quanto somos frágeis, limitados! Como falhamos! Alguns conseguem se tornar melhores, mais resistentes, mas certamente só depois de passar por provas de fogo. O fogo que purifica e fortalece. O fogo do Espírito. O fogo do amor. O fogo do sofrimento. Mesmo assim, não estão isentos de se quebrar e de ferir o outro com seus cacos.
Olhando para trás, reconheço que milhares e milhares de pessoas já puderam beber na minha fonte. Muito bem, muita graça, muitas bênçãos passaram por mim e chegaram a inúmeros sedentos(as) e famintos(as) em busca de conforto, de esperança, de alívio, de sentido para a vida. Muitas vezes fui uma presença positiva, fui dom.

Mas também tenho consciência de que já machuquei muita gente, já decepcionei, já me omiti, fui causa de tropeço e de escândalo. Fiz mal e prejudiquei. E o farei outras tantas vezes. Porque sou barro. Uma bica frágil e apodrecida para levar água a caminhantes sedentos. Carregando um grande tesouro num pobre vaso de barro.

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