sábado, 8 de agosto de 2015

Maria: a Igreja de portas abertas

‘Igreja’ é uma palavra feminina. Mas nossa Igreja é marcadamente masculina. Cremos num Deus que é ‘Pai’, e não mãe. Todo-poderoso, sério. Já imaginou Deus rindo, dando uma boa gargalhada?  Nem pensar!...
Jesus Cristo é homem. Masculino. Homens foram todos os apóstolos. Pelo menos é o que dizem os Evangelhos. Papa, bispos, padres, diáconos... ‘Hierarquia’ também é uma palavra feminina. Mas a nossa é 100% masculina.
A psicologia atribui à função paterna tudo o que está ligado à lei, à disciplina, ao limite. A função materna diz respeito ao afeto, à segurança, ao colo, à maneira de ver o mundo. Talvez aí esteja a principal razão de a Igreja ter se fixado muito mais na lei, nas normas, na disciplina, que na misericórdia, no afeto, no acolhimento (aconchego), no colo.
No tempo de Jesus já era assim. A lei estava acima de tudo. Também lá os homens mandavam. Jesus tentou mudar. ‘Comprou’ briga com os mestres da Lei. Fez questão de passar por cima de normas e tradições para mostrar que a pessoa era o centro. O que importava era a vida. Revelou um Pai bem materno, como na história do ‘filho pródigo’. Melhor seria falar de um ‘pai pródigo’, mão aberta, capaz de esquecer tudo o que passou para acolher um filho que volta.
Jesus procurou chamar a atenção para a mulher. Quis se encarnar no seio de uma das nossas. Fez de uma mulher excluída, a Samaritana, sua primeira missionária. Usou a presença da ‘mulher adúltera’ para desmascarar a hipocrisia dos homens. Manifestou-se por primeiro a uma mulher, Madalena, após a ressurreição, e lhe confiou o cargo de espalhar a notícia.
Mas parece que os cristãos não entenderam bem a lição. Ou não quiseram entender. A mulher sempre foi considerada inferior. Nunca pôde participar das decisões. Ficou com a mão-de-obra.
E a Igreja foi se tornando cada vez mais masculina e amparada na lei. E, com isso, foi fechando portas. Comunhão? Só para os puros, para quem merece. Batismo? Tem que olhar: os padrinhos são casados? Linguagem difícil, ritos muitas vezes frios e distantes da vida.
O povo sentia falta de mãe, de abraço, de afeto, de perdão. E foi achar tudo isso em Maria. Ela é mais nossa. Mais próxima. Tem o jeito feminino e materno de ser. Lembra ternura, flor, música, festa... Eu senti isso muito forte agora, por ocasião da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida. Nunca imaginei algo assim. Pude ver uma relação muito próxima, muito amiga, quase íntima de muita gente com Maria.
O primeiro contato se deu no momento em que fomos buscar a imagem em outra paróquia. A despedida foi de lágrimas sentidas. O povo não queria deixá-la. Quando me aproximava do carro para trazê-la, veio um irmão completamente embriagado, trocando as pernas, quase caindo. Chegou perto, esticou o braço, tocou no pequeno manto e, com lágrimas nos olhos, disse: “Vai com Deus, Mãezinha!
Muita gente que nunca vai à igreja quis enfeitar a casa e a rua, carregar a imagem, soltar fogos, jogar flores. Gente que não pode comungar abraçou com emoção a imagem. Aliás, não era a imagem. Era a Mãe. Jovens envolvidos com drogas, sem qualquer ligação com a família e com a Igreja, pegaram, beijaram, fizeram um silêncio respeitoso. Quem não tem roupa pra participar de uma celebração, quem está de cama e não pode ir à Igreja, todos puderam tocar o ‘sagrado’. Um senhor muito doente, que leva uma vida vegetativa, ao saber que era a ‘santinha’, agarrou o seu manto e segurou firme até que o grupo terminasse a ‘Ave-Maria’. Um menino, de uns dez anos chorava copiosamente enquanto a imagem passava. Alguém perguntou: o que foi, meu filho? E ele: - “Tá bonito demais!”. Pessoas evangélicas, gente que deixou a Igreja católica, muitos entraram no clima e ajudaram a enfeitar as ruas.
Por tudo isso e muito mais, cada vez mais me convenço que realmente Maria é o “rosto materno de Deus”, “reflexo do amor maternal do Pai”. Nossos documentos e planos de pastoral têm falado muito ultimamente da necessidade de sermos uma “Igreja de portas abertas”. O papa Francisco insiste nisso: uma casa que acolha a todos (cf. EG, 47). Mas, na prática, continuamos a fechar muitas portas. Maria é sinal da Igreja, que deve gerar o Cristo e oferecê-lo ao mundo. Mas a todos, sem distinção. É sinal da Igreja de portas abertas.

Pe. José Antônio de Oliveira

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