Maria:
a Igreja de portas abertas
‘Igreja’
é uma palavra feminina. Mas nossa Igreja é marcadamente masculina. Cremos num
Deus que é ‘Pai’, e não mãe. Todo-poderoso, sério. Já imaginou Deus rindo,
dando uma boa gargalhada? Nem pensar!...
Jesus
Cristo é homem. Masculino. Homens foram todos os apóstolos. Pelo menos é o que
dizem os Evangelhos. Papa, bispos, padres, diáconos... ‘Hierarquia’ também é
uma palavra feminina. Mas a nossa é 100% masculina.
A
psicologia atribui à função paterna tudo o que está ligado à lei, à disciplina,
ao limite. A função materna diz respeito ao afeto, à segurança, ao colo, à
maneira de ver o mundo. Talvez aí esteja a principal razão de a Igreja ter se
fixado muito mais na lei, nas normas, na disciplina, que na misericórdia, no
afeto, no acolhimento (aconchego), no colo.
No
tempo de Jesus já era assim. A lei estava acima de tudo. Também lá os homens
mandavam. Jesus
tentou mudar. ‘Comprou’ briga com os mestres da Lei. Fez questão de passar por
cima de normas e tradições para mostrar que a pessoa era o centro. O que
importava era a vida. Revelou um Pai bem materno, como na história do ‘filho
pródigo’. Melhor seria falar de um ‘pai pródigo’, mão aberta, capaz de esquecer
tudo o que passou para acolher um filho que volta.
Jesus
procurou chamar a atenção para a mulher. Quis se encarnar no seio de uma das
nossas. Fez de uma mulher excluída, a Samaritana, sua primeira missionária.
Usou a presença da ‘mulher adúltera’ para desmascarar a hipocrisia dos homens. Manifestou-se
por primeiro a uma mulher, Madalena, após a ressurreição, e lhe confiou o cargo
de espalhar a notícia.
Mas
parece que os cristãos não entenderam bem a lição. Ou não quiseram entender. A
mulher sempre foi considerada inferior. Nunca pôde participar das decisões.
Ficou com a mão-de-obra.
E
a Igreja foi se tornando cada vez mais masculina e amparada na lei. E, com
isso, foi fechando portas. Comunhão? Só para os puros, para quem merece.
Batismo? Tem que olhar: os padrinhos são casados? Linguagem difícil, ritos muitas
vezes frios e distantes da vida.
O
povo sentia falta de mãe, de abraço, de afeto, de perdão. E foi achar tudo isso
em Maria. Ela é mais nossa. Mais próxima. Tem o jeito feminino e materno de
ser. Lembra ternura, flor, música, festa... Eu
senti isso muito forte agora, por ocasião da visita da imagem peregrina de
Nossa Senhora Aparecida. Nunca imaginei algo assim. Pude ver uma relação muito
próxima, muito amiga, quase íntima de muita gente com Maria.
O
primeiro contato se deu no momento em que fomos buscar a imagem em outra
paróquia. A despedida foi de lágrimas sentidas. O povo não queria deixá-la.
Quando me aproximava do carro para trazê-la, veio um irmão completamente
embriagado, trocando as pernas, quase caindo. Chegou perto, esticou o braço,
tocou no pequeno manto e, com lágrimas nos olhos, disse: “Vai com Deus, Mãezinha!”
Muita
gente que nunca vai à igreja quis enfeitar a casa e a rua, carregar a imagem,
soltar fogos, jogar flores. Gente que não pode comungar abraçou com emoção a
imagem. Aliás, não era a imagem. Era a Mãe. Jovens
envolvidos com drogas, sem qualquer ligação com a família e com a Igreja,
pegaram, beijaram, fizeram um silêncio respeitoso. Quem não tem roupa pra
participar de uma celebração, quem está de cama e não pode ir à Igreja, todos
puderam tocar o ‘sagrado’. Um senhor muito doente, que leva uma vida vegetativa,
ao saber que era a ‘santinha’, agarrou o seu manto e segurou firme até que o
grupo terminasse a ‘Ave-Maria’. Um menino, de uns dez anos chorava copiosamente
enquanto a imagem passava. Alguém perguntou: o que foi, meu filho? E ele: - “Tá bonito demais!”. Pessoas evangélicas,
gente que deixou a Igreja católica, muitos entraram no clima e ajudaram a
enfeitar as ruas.
Por
tudo isso e muito mais, cada vez mais me convenço que realmente Maria é o
“rosto materno de Deus”, “reflexo do amor maternal do Pai”. Nossos
documentos e planos de pastoral têm falado muito ultimamente da necessidade de
sermos uma “Igreja de portas abertas”. O papa Francisco insiste nisso: uma casa
que acolha a todos (cf. EG, 47). Mas, na prática, continuamos a fechar muitas
portas. Maria é sinal da Igreja, que deve gerar o Cristo e oferecê-lo ao mundo.
Mas a todos, sem distinção. É sinal da Igreja de portas abertas.
Pe. José Antônio de Oliveira
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